domingo, 22 de junho de 2014

A ARROGÂNCIA DO MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO

Retratando-me como escritor iniciante, busquei aproximação mais apurada sobre as práticas do mercado editorial no Brasil. Os primeiros contatos com as maiores corporações me revelaram um executivo de perfil arrogante e pouco acessível, é o desenho predominante do personagem que compõe o editor nacional. Soa anacrônico imaginarmos um profissional, que deveria preservar a mente aberta para identificar e promover talentos promissores, aprisionado num casulo de pedantismo que incuba um vulgar caçador de níqueis. Travar um breve diálogo com alguns desses editores significa ser apresentado a uma ironia gástrica que corrói qualquer conexão que poderia ser criada. Editores são ilhas de desprezo.

A produção de livros sofreu fortes acomodações tectônicas nos últimos dez anos, empresas como a Cia das Letras, Objetiva e Nova Fronteira ganharam sócios internacionais com forte participação acionária. Será que isso explicaria a atual supremacia dos títulos estrangeiros em nossas maiores livrarias?

De acordo com as declarações de um profissional que pertenceu aos quadros do grupo Saraiva, o brasileiro reclama de tudo e muitos dos nossos escritores estão fora das livrarias porque não vendem, se vendessem estariam lá. Ou seja, o editor se coloca acima da sua nacionalidade e resume o autor brasileiro como um chorão. Ele diz mais, afirma que no mercado globalizado o leitor não está interessado na pátria do escritor e é por isso que escolhe e tem o direito de ler Game of Thrones.

É indisfarçável o nosso choque ao constatar uma nova ordem disposta a colonizar a literatura em nome do lucro. Os executivos dos grandes grupos editoriais determinam o direito do que se deve ler, mas não contemplam aumentar as opções do que se pode ler. Qualificam o autor brasileiro como um rebelde fracassado, mas esquecem que os balcões de destaque das livrarias são vitrines de aluguel que expõem somente o que rotulam de comercial.

Prosseguindo a conversa, perguntei como eu deveria proceder para tentar publicar um livro de contos, a resposta foi seca: contos só publicam se for amigo do rei ou por tráfico de influência, livros de contos não vendem.  Na verdade, os autores que vendem parecem ser somente aqueles que sentam na cadeira do Jô Soares, encaminhados por grandes agências literárias, que sempre me passaram a impressão de serem as únicas capazes de disfarçar chumbo em ouro.


Interessante que uma das nossas mais parrudas agências do meio carregue um pomposo nome em inglês, a Villas-Boas & Moss – Literary Agency and Consultancy. No site da VBM, um recado: “prioridade para manuscritos com referência ou recomendação”. O pistolão chegou à província dos livros.

- Literatura de qualidade é um nicho menor, é para a elite e a elite sempre foi minoria – revela o meu interlocutor do mercado editorial.

A fala nos faz concluir que ao leitor comum oferecem o farelo dos porcos. Não resta a menor dúvida, vivemos um tempo em que a educação avança, mas a filosofia medieval dos editores continua subestimando e evitando formar melhores leitores. Querem o sucesso imediato, o best-seller, e o sucesso instantâneo prescinde a qualidade.

Pergunto ao meu entrevistado se não é ruim para todos que a literatura se torne um território de mercenários. Antecipando o fim da conversa, o pavão abre a cauda e me dispensa com uma saudação exemplar.

- Caro amigo, essa sua aflição é de muitos, o que eu digo para as pessoas é, escreva por prazer, pra si mesmo... Agora, me desculpe, estou meio ocupado... escrevendo.

No dia em que os bons autores escreverem para as gavetas, talvez as editoras percebam que exilaram os seus mais valiosos operários.

Neste cenário apocalíptico, onde editores pensam como corretores imobiliários, a melhor esperança são as chamadas editoras de fundo de quintal, que seguem em investidas heroicas, se destacando nos relevantes prêmios literários mundo afora, provando que há um anseio em restaurar a literatura como obra de arte.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A NOVA LITERATURA COMO FEUDO DE CELEBRIDADES

A NOVA LITERATURA COMO FEUDO DE CELEBRIDADES

Por Alexandre Coslei

A literatura, tal qual a lendária cidade de Troia, foi um dos últimos bastiães que cedeu ao avanço das barbáries da globalização. Resistiu com bravura à vilipendiação dos valores e à corrupção da alma. No entanto, resistir é inútil, já pressagiavam os Borgs de Star Trek. A arte literária também está sendo assimilada pelo consumismo hedonista para se enquadrar às normas da indústria cultural do século XXI, que é avessa a mergulhos profundos e impõe que as nossas preferências se limitem à epiderme das coisas.

Livros com capas coloridas, chamativas; autor com pose de pop star, patinando deslumbrado sob holofotes e flashes de câmaras digitais. A palavra que renuncia ao conteúdo para se transformar em imagem plástica, mais palpável, palatável e lucrativa. A palavra realocada num mundo onde prevalece o objeto comercial. Book trailers, palcos, escritores-celebridade, feiras literárias como grandes anfiteatros para uma gente bonita mostrar seu valor. É a literatura intimada a ser espetáculo.

O escritor recluso e tímido, que escolheu a solidão para fecundar o pensamento e a visão intimista sobre o mundo, esse está em desuso, perde lugar para o showman e para as faces conhecidas da TV (que também decidiram se enveredar pelas letras). Há poucos dias ouvi uma definição bem humorada sobre isso, estamos na era dos globe-trotters literários. Não, definitivamente não existe lugar ao sol para o misantropo. Ou ele se metamorfoseia em pavão ou que apodreça nos porões do anonimato.

O que se ganha com a literatura midiática? Sem dúvida, arrebanham-se mais leitores, fortalecem-se alguns grupos editoriais, aumentam as tiragens. E o que se perde? A qualidade endógena das obras entrou em decadência, a estética foi depreciada pelo objetivo de atingir leitores menos qualificados e leitores desqualificados geram escritores medíocres. O resultado que se observa é um vácuo na literatura brasileira que inunda as livrarias com títulos estrangeiros, traduções capengas e o cultivo de um gosto duvidoso. Estamos recolonizando a nossa literatura, esse é o preço do estrelato individual. Não é à toa que uma pesquisa recente, realizada em 2014 pelo Jornal O Globo nas principais bibliotecas públicas cariocas, constatou que o interesse dos leitores pelos best-sellers internacionais supera com larga vantagem a consulta por autores nacionais, inclusive, os clássicos.

Algumas poucas trincheiras tentam preservar a literatura como arte, editoras como a Patuá e Confraria do Vento semearam e colheram autores valorosos que emplacaram como finalistas do Prêmio Portugal Telecom 2014.

Infelizmente, o caráter desta literatura nacional recolonizada, feudo de celebridades, movida por nichos e modismos, não aparenta vontade de reverter seus passos em direção ao lucro e nem exibe remorso pela depredação estética que promove.  Quando tentamos prever um cenário futuro, o panorama que se esboça é nebuloso, imprevisível. Quem sabe, lá na frente, nos deparemos somente com as ruínas de um território devastado e saqueado pela sanha dos ególatras. Uma Troia incendiada. Porém, mesmo diante do trágico desfecho da Ilíada, Aquiles e Heitor, os dois heróis épicos, ainda inspiram o que é eterno. Aos que amam literatura, resta a fé. Acreditar é sobreviver.