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VAN GOGH E RIMBAUD: OS OLHOS DO INFINITO

Arthur Rimbaud faz parte daquela galeria legendária de artistas que agregou ao brilho da sua obra o aspecto mítico do subversivo. De poeta marginal ao errante em terras africanas. O vate de inquietantes olhos azuis que arruinou a reputação de Verlaine ou que apenas serviu como detonador da autodestruição do mestre decadente. Talvez, para Rimbaud, a poesia tivesse tomado ares de um caminho bolorento e apático.  O enfant terrible convertido ao catolicismo no leito de morte. Van Gogh encontrou no suicídio o passaporte que rompeu com a servidão imposta pela arte para preservar sua saúde mental, Rimbaud renunciou ao poeta para mergulhar na aventura do desconhecido e nas empreitadas comerciais pelos desertos da Somália e Etiópia. Dois gumes da mesma faca, o talento se revelando como a vocação do trágico. O holandês Van Gogh e o francês Rimbaud, duas linhas soltas que atraem o nosso mórbido fascínio. Um abraçou a pintura com o extremo da paixão, erguendo uma ponte frágil entre a louc...

A FALÊNCIA DO ROMANCE BRASILEIRO

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A era digital inseminou uma crise na literatura brasileira: o colapso da criatividade. Observando o cenário nacional e focando nos jovens escritores, o que vemos é um painel que nos remete ao século 19, quando os importados da língua francesa e inglesa trouxeram as primeiras sementes de fertilidade para os autores brasileiros. O que testemunhamos hoje são aqueles mesmos romances adocicados, moralizantes (alguns, com viés evangélica), a exacerbação do sentimentalismo, o didatismo e a fantasia gótica. Os que fogem das velhas receitas enveredam por temas subversivos que flutuam no superficial, se limitando a meras apologias devido a uma abordagem precária, nessa categoria se encaixam os romances que versam sobre violência gratuita e decadência da sociedade. Há outros dois modelos em voga, um existencialismo maçante e um erotismo tacanho que tem muito a aprender com o Marquês de Sade.  O romance, como gênero literário, involuiu. Há uma tendência retrógrada que se enraizou, ape...

A BIBLIOTECA DE VAN GOGH

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Inúmeras vezes, nas cartas ao irmão Theo, Vincent Van Gogh discorre sobre literatura com a argúcia de um crítico e a paixão de um leitor voraz.   A literatura é um tema tão recorrente para Van Gogh que nem nos surpreendemos quando ele confessa que poderia tê-la escolhido como meio de expressão, caso a pintura não houvesse se afirmado em sua vida.    A bipolaridade emocional que o assolava afastou os amigos, incendiou o pavio das severas crises de depressão que sofreu, mas raramente o impediu que se dedicasse com afinco à criação dos seus quadros e à leitura intensa. Duas fortalezas resistiram até o fim na alma de Van Gogh, a pintura e os livros.   Quem não pensa em Van Gogh também como um escritor certamente não leu suas cartas, um valioso acervo literário e histórico. E Vincent não se restringia a escrever, ele pensava sobre literatura. A rica correspondência com Emile Bernard, um pintor que se arriscava como poeta, demonstra sua lúcida habilidade em a...

ESCREVER - A VOCAÇÃO PARA O AVESSO DAS COISAS

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    O escritor é o avesso - desde a adolescência foi como defini esse personagem mergulhado no vácuo, buscando na própria dissolução construir com as palavras um universo que sempre revela a alma daquele que escreve. Alguns escritores se apressam em dizer que não fazem da prosa ou da poesia um confessionário, quem diz isso é um mentiroso, porque todo escritor mente sobre suas reais intenções. Não há literatura sem algum tipo de confissão, que venha ela criptografada, envernizada ou camuflada. Talvez, escrever seja dizer a sua verdade fingindo que é a verdade do outro.      “ O poeta é um fingidor ” - sentenciava Fernando Pessoa .   E foi com Pessoa que eu vivi a primeira epifania literária. Adolescente, de férias num sítio em Petrópolis, puxo à revelia um livro da biblioteca e me deparo com quatro versos que agiram em mim como a Pedra Filosofal. Transformaram meu infantil pensamento de jovem burguês numa avassaladora consciência crítica. A ...

FASHION WEEK LITERÁRIA

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    Em 1873, Machado de Assis escreveu um dos seus melhores artigos: “ O instinto de nacionalidade ”. O texto, ainda hoje atualíssimo em seu corpo de ideias, mostra o amadurecimento e a formação da identidade literária brasileira a partir das bases construídas por autores do século 19. Machado indica que é na essência nacional e no domínio do idioma que reside a independência da literatura de qualquer país.   A visão de Machado sobre o papel do escritor é de tamanha e paradoxal contemporaneidade que nos permite estabelecer um diálogo atemporal através de comentários.   Machado de Assis - Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há de negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro.            ...

A ARROGÂNCIA DO MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO

Retratando-me como escritor iniciante, busquei aproximação mais apurada sobre as práticas do mercado editorial no Brasil. Os primeiros contatos com as maiores corporações me revelaram um executivo de perfil arrogante e pouco acessível, é o desenho predominante do personagem que compõe o editor nacional. Soa anacrônico imaginarmos um profissional, que deveria preservar a mente aberta para identificar e promover talentos promissores, aprisionado num casulo de pedantismo que incuba um vulgar caçador de níqueis. Travar um breve diálogo com alguns desses editores significa ser apresentado a uma ironia gástrica que corrói qualquer conexão que poderia ser criada. Editores são ilhas de desprezo. A produção de livros sofreu fortes acomodações tectônicas nos últimos dez anos, empresas como a Cia das Letras, Objetiva e Nova Fronteira ganharam sócios internacionais com forte participação acionária. Será que isso explicaria a atual supremacia dos títulos estrangeiros em nossas maiores livrarias? ...