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A FALÊNCIA DO ROMANCE BRASILEIRO

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A era digital inseminou uma crise na literatura brasileira: o colapso da criatividade. Observando o cenário nacional e focando nos jovens escritores, o que vemos é um painel que nos remete ao século 19, quando os importados da língua francesa e inglesa trouxeram as primeiras sementes de fertilidade para os autores brasileiros. O que testemunhamos hoje são aqueles mesmos romances adocicados, moralizantes (alguns, com viés evangélica), a exacerbação do sentimentalismo, o didatismo e a fantasia gótica. Os que fogem das velhas receitas enveredam por temas subversivos que flutuam no superficial, se limitando a meras apologias devido a uma abordagem precária, nessa categoria se encaixam os romances que versam sobre violência gratuita e decadência da sociedade. Há outros dois modelos em voga, um existencialismo maçante e um erotismo tacanho que tem muito a aprender com o Marquês de Sade.  O romance, como gênero literário, involuiu. Há uma tendência retrógrada que se enraizou, ape...

A BIBLIOTECA DE VAN GOGH

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Inúmeras vezes, nas cartas ao irmão Theo, Vincent Van Gogh discorre sobre literatura com a argúcia de um crítico e a paixão de um leitor voraz.   A literatura é um tema tão recorrente para Van Gogh que nem nos surpreendemos quando ele confessa que poderia tê-la escolhido como meio de expressão, caso a pintura não houvesse se afirmado em sua vida.    A bipolaridade emocional que o assolava afastou os amigos, incendiou o pavio das severas crises de depressão que sofreu, mas raramente o impediu que se dedicasse com afinco à criação dos seus quadros e à leitura intensa. Duas fortalezas resistiram até o fim na alma de Van Gogh, a pintura e os livros.   Quem não pensa em Van Gogh também como um escritor certamente não leu suas cartas, um valioso acervo literário e histórico. E Vincent não se restringia a escrever, ele pensava sobre literatura. A rica correspondência com Emile Bernard, um pintor que se arriscava como poeta, demonstra sua lúcida habilidade em a...

ESCREVER - A VOCAÇÃO PARA O AVESSO DAS COISAS

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    O escritor é o avesso - desde a adolescência foi como defini esse personagem mergulhado no vácuo, buscando na própria dissolução construir com as palavras um universo que sempre revela a alma daquele que escreve. Alguns escritores se apressam em dizer que não fazem da prosa ou da poesia um confessionário, quem diz isso é um mentiroso, porque todo escritor mente sobre suas reais intenções. Não há literatura sem algum tipo de confissão, que venha ela criptografada, envernizada ou camuflada. Talvez, escrever seja dizer a sua verdade fingindo que é a verdade do outro.      “ O poeta é um fingidor ” - sentenciava Fernando Pessoa .   E foi com Pessoa que eu vivi a primeira epifania literária. Adolescente, de férias num sítio em Petrópolis, puxo à revelia um livro da biblioteca e me deparo com quatro versos que agiram em mim como a Pedra Filosofal. Transformaram meu infantil pensamento de jovem burguês numa avassaladora consciência crítica. A ...

FASHION WEEK LITERÁRIA

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    Em 1873, Machado de Assis escreveu um dos seus melhores artigos: “ O instinto de nacionalidade ”. O texto, ainda hoje atualíssimo em seu corpo de ideias, mostra o amadurecimento e a formação da identidade literária brasileira a partir das bases construídas por autores do século 19. Machado indica que é na essência nacional e no domínio do idioma que reside a independência da literatura de qualquer país.   A visão de Machado sobre o papel do escritor é de tamanha e paradoxal contemporaneidade que nos permite estabelecer um diálogo atemporal através de comentários.   Machado de Assis - Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há de negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro.            ...

A ARROGÂNCIA DO MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO

Retratando-me como escritor iniciante, busquei aproximação mais apurada sobre as práticas do mercado editorial no Brasil. Os primeiros contatos com as maiores corporações me revelaram um executivo de perfil arrogante e pouco acessível, é o desenho predominante do personagem que compõe o editor nacional. Soa anacrônico imaginarmos um profissional, que deveria preservar a mente aberta para identificar e promover talentos promissores, aprisionado num casulo de pedantismo que incuba um vulgar caçador de níqueis. Travar um breve diálogo com alguns desses editores significa ser apresentado a uma ironia gástrica que corrói qualquer conexão que poderia ser criada. Editores são ilhas de desprezo. A produção de livros sofreu fortes acomodações tectônicas nos últimos dez anos, empresas como a Cia das Letras, Objetiva e Nova Fronteira ganharam sócios internacionais com forte participação acionária. Será que isso explicaria a atual supremacia dos títulos estrangeiros em nossas maiores livrarias? ...

A NOVA LITERATURA COMO FEUDO DE CELEBRIDADES

A NOVA LITERATURA COMO FEUDO DE CELEBRIDADES Por Alexandre Coslei A literatura, tal qual a lendária cidade de Troia , foi um dos últimos bastiães que cedeu ao avanço das barbáries da globalização. Resistiu com bravura à vilipendiação dos valores e à corrupção da alma. No entanto, resistir é inútil, já pressagiavam os Borgs de Star Trek . A arte literária também está sendo assimilada pelo consumismo hedonista para se enquadrar às normas da indústria cultural do século XXI, que é avessa a mergulhos profundos e impõe que as nossas preferências se limitem à epiderme das coisas. Livros com capas coloridas, chamativas; autor com pose de pop star , patinando deslumbrado sob holofotes e flashes de câmaras digitais. A palavra que renuncia ao conteúdo para se transformar em imagem plástica, mais palpável, palatável e lucrativa. A palavra realocada num mundo onde prevalece o objeto comercial. Book trailers , palcos, escritores-celebridade, feiras literárias como grandes anfiteatros para ...

A CRÍTICA PROSTITUÍDA

“O crítico literário é um homem que sabe ler e que ensina os outros a ler. ” -Charles Augustin Saint-Beuve-   Um crítico apurado, talvez, não considerasse de bom tom iniciar o artigo com uma citação que beira o clichê. No entanto, em nosso caos cultural, mergulhados na profusão de títulos que são lançados diariamente às livrarias, nem assustaria vermos alguns livros com o carimbo “ made in china ”.   Sim, a Internet e o Word produzem escritores em escala industrial e quase sempre sem controle de qualidade. Junto com o fenômeno da multiplicação dos livros, surgiram os messias e as oficinas literárias que prometem formar os novos best-sellers do século. A literatura se tornou um mercado pagão.   Ao olharmos para trás, lembrando de um período não tão remoto, encontramos nomes como Carpeaux, Augusto Meyer, Álvaro Lins, Antônio Cândido, Silviano Santiago. Personagens que atravessaram o século XX avaliando obras e proporcionando, através dos jornais, as crítica...